Existe uma política de organização e desenvolvimento territorial quando o Estado trata de repartir geograficamente a população e as atividades econômicas, seja para homogeneizar o território, seja para acelerar ou regular o desenvolvimento, seja ainda para melhorar a posição do país no jogo da competição internacional. Não se trata portanto de uma "exceção francesa", tendo muitos Estados deixado claras suas intenções e concretizado programas específicos neste terreno. O simples traçado das vias de comunicação e todas as grandes obras públicas, com efeito, têm conseqüências na estruturação da vida econômica.
De forma ainda mais precisa, já nos anos 30 do século XX a Inglaterra, para fazer frente à crise da indústria carbonífera e à concentração urbana em Londres, lançou um programa de construção de novas cidades e definiu, mediante privilégios fiscais e subvenções, zonas ditas de reconversão, ou trading estates. Da mesma forma, Roosevelt deu nos Estados Unidos, com a Tennessee Valley Authority, o primeiro exemplo de uma grande operação de organização regional.
Entretanto, embora a organização territorial não seja nem uma invenção nem uma exceção francesa, não é menos verdade que dentre os países ocidentais de economia liberal ou mista nenhum outro empenhou tanto quanto a França a autoridade do Estado numa política de organização do território. E também é um fato que em nenhum outro país verificavam-se, como na França, tão excessiva concentração da população ao redor da capital, a localização de suas principais atividades industriais nas periferias setentrionais do território e o atraso econômico de algumas de suas mais antigas zonas agrárias.
Nascimento da política de desenvolvimento territorial
Voluntarismo gaullista
Intermédio giscardiano
Alternância política: as leis de descentralização
Por uma definição do desenvolvimento durável
O desenvolvimento territorial no limiar do terceiro milênio
Bibliografia sumária
Nascimento da política de desenvolvimento territorial
Logo depois da liberação da França em 1945, homens de visão que integravam o Comissariado de Planejamento - como Raoul Dautry e François Gravier, cujo livro Paris et le désert français [Paris e o deserto francês] teve grande repercussão - insistiram na necessidade de um melhor equilíbrio dos equipamentos, da indústria e da agricultura modernos no conjunto do território. O relatório apresentado por Eugène Claudius-Petit ao Conselho de Ministros em fevereiro de 1950, publicado em brochura sob o título Pour un plan national d’aménagement du territoire [Por um plano nacional de organização do território], estabeleceu por quase meio século as grandes linhas da ação pública neste terreno. Tratava-se de combater as desigualdades demasiado pronunciadas em matéria de povoamento e atividade, causadoras, em determinadas regiões, de superpovoamento, e em outras de despovoamento. Em matéria de investimentos, os projetos de Claudius-Petit estabeleciam obrigações no primeiro caso e apoio financeiro no segundo.
Paralelamente a essas iniciativas governamentais, surgiu no início dos anos 50 uma série de associações regionais de políticos, gestores econômicos e dirigentes sindicais, funcionários e professores universitários. A exemplo do Comitê de Estudos e Ligação dos Interesses Bretãos, esses "comitês de expansão", criados no Languedoc, na Alsácia, em Roussillon e na Lorena, exigiam uma repartição mais lógica e equânime dos equipamentos públicos, e já trabalhavam num esboço de programação regional. Sob este duplo estímulo, os governos Pierre Mendès France e Edgar Faure tomaram em 1954 e 1955 certas medidas que assinalam o início de uma política deliberada e contínua de organização do território. Em janeiro de 1955, foi instituída por decreto a obrigatoriedade de autorização para qualquer investimento na Ilha de França. O objetivo não era bloquear o desenvolvimento da região parisiense, mas dotar a Direção da Organização Territorial de meios de pressão em suas negociações com as grandes empresas. A necessária autorização para as operações na Ilha de França teria uma contrapartida na instalação na província, de preferência na região Oeste ou na Sudoeste, de um posto avançado ou de uma outra fábrica da mesma empresa.
Alguns meses depois, em junho e dezembro de 1955, foram baixados outros decretos com o objetivo de preparar programas de ação regional, autorizando o ministro da Economia a fornecer garantias financeiras do Estado às operações de descentralização ou reconversão. Chegou-se inclusive a instituir um sistema de incentivos para aquisição de equipamentos, para os industriais que se instalassem em zonas consideradas "críticas" , definindo-se 21 circunscrições de ação regional, que antecipavam as futuras regiões da lei de janeiro de 1982.
Seguindo a mesma lógica, àquela mesma altura, a Caixa de Depósitos e Consignações, dotada de enormes recursos financeiros, foi incumbida de apoiar as empresas de economia mista encarregadas das grandes obras de desenvolvimento hidráulico e rural. Assim foi que a Companhia de Desenvolvimento da Região Baixo-Ródano Languedoc, a Sociedade de Valorização da Córsega e a Sociedade do Canal da Provença empreenderam as primeiras grandes frentes de desenvolvimento coordenado.
Voluntarismo gaullista
O general de Gaulle e sua equipe decidiram ampliar ainda mais esta política de organização geográfica deliberada, resolvendo colocá-la sob controle direto e permanente do chefe do governo. Por isto foram criados o Comitê Interministerial de Organização do Território, em 1960, e em fevereiro de 1963 a Delegação de Organização Territorial e Ação Regional (Datar), cujo primeiro delegado, Olivier Guichard, era colaborador direto do primeiro-ministro, Georges Pompidou. Esta nova frente de gestão tinha três objetivos principais: industrialização "desconcentrada", prosseguimento das grandes obras de desenvolvimento e promoção de uma dezena de "metrópoles de equilíbrio". Estima-se que entre 1963 e1973, no clima de dinamismo e prosperidade econômica característico dos "Trinta Anos Gloriosos " do pós-guerra, três mil e quinhentas operações de investimento, escoradas em incentivos e isenções, levaram à criação de mais de trezentos mil empregos no interior, sem com isto desindustrializar a região parisiense da Ilha de França. Alguns desses novos pólos, especialmente na indústria automobilística, na aeronáutica e na de eletrodomésticos, efetivamente mudaram as condições de vida na província.
Paralelamente, procedia-se ao saneamento e ao desenvolvimento turístico do litoral de Languedoc-Roussillon, ao equipamento da costa da Aquitânia e à construção de oito novas cidades, cinco das quais na região parisiense. Esta promoção das atividades regionais, e particularmente o apoio fornecido a oito metrópoles "de equilíbrio" (Lille, Nancy-Metz, Lyon, Marselha, Toulouse, Nantes, Bordeaux e Estrasburgo), parecia apontar para uma próxima regionalização da administração territorial. Era certamente a intenção do general de Gaulle, a julgarmos por seu discurso de março de 1968 em Lyon. Mas os problemas universitários e sobretudo o fracasso do referendo de abril de 1969 contiveram esta tendência, atrasando em treze anos a reforma das instituições.
Intermédio giscardiano
A primeira crise do petróleo, o fim dos "Trinta Anos Gloriosos" e a eleição de Valéry Giscard d’Estaing para a presidência da República em 1974 levaram a uma pronunciada mudança de rumo da política de organização do território. Por um lado, os novos dirigentes estavam menos convencidos que seus antecessores da eficácia da intervenção do Estado: sensíveis aos argumentos dos economistas liberais, eles consideravam que o desenvolvimento e a localização das empresas incumbiam exclusivamente às leis do mercado. Por outro, como seu eleitorado não se encontrava nas grandes aglomerações urbanas, inclinavam-se a dar mais atenção aos problemas do campo e das cidades pequenas. Tomou-se então uma decisão significativa do novo clima político, desvinculando a Datar do gabinete do primeiro-ministro no palácio de Matignon. Dali por diante, ao sabor dos remanejamentos ministeriais, ela passaria de ministério em ministério, chegando às vezes a ficar sob a responsabilidade de um simples secretário de Estado, pouco influente no governo. Contemplou-se igualmente a possibilidade de reduzir o programa de novas cidades, tanto mais que o fim da expansão demográfica determinava a revisão das previsões demasiado otimistas sobre o crescimento da população francesa até o ano 2000.
Além disso, as dificuldades estruturais da economia, que entrara em crise de profunda mutação, o aumento inexorável do desemprego e as transferências para o exterior de instalações industriais obrigaram o governo a atender às questões de urgência, substituindo os grandes projetos de desenvolvimento pelo socorro caso a caso dos setores industriais ameaçados ou o atendimento social da desindustrialização. Diariamente chamada a prestar ajuda, envolvida em múltiplas operações de socorro, a Datar perderia suas prerrogativas de frente de gestão [administration de mission] e suas responsabilidades de prospecção.
Alternância política: as leis de descentralização
Esses problemas persistiriam depois de 1981. A crise industrial e a crise dos subúrbios chegariam inclusive a seu paroxismo no meado da década. A alternância política, entretanto, traduz-se numa elevação significativa dos créditos destinados à organização do território, e sobretudo no surgimento de um dado novo e fundamental: a descentralização. As regiões, que passam a ser "coletividades territoriais descentralizadas", são dotadas de poderes específicos em matéria de planejamento e desenvolvimento. A partir de 1984, é em cooperação com as regiões que o Estado passa a preparar os contratos de planejamento e a programação dos equipamentos essenciais, já agora objeto de dura e permanente negociação entre os dirigentes locais e o governo central. Este procedimento dotaria a política de organização do território de um caráter menos tecnocrático e menos autoritário, ameaçando em compensação privá-lo de seu caráter voluntarista, coerente e nacional.
A gravidade da crise econômica e social tornava perfeitamente real este risco. Foi necessário enfrentar sucessivamente os problemas da construção naval em Dunquerque, Saint-Nazaire e La Ciotat, as dificuldades da siderurgia na Lorena e nas Ardenas, o fechamento das bacias de hulha de Decazeville e Carmaux. Na mesma época, os bairros periféricos de Lyon e Marselha, de Val Fourré em Mantes e de Neuhof em Estrasburgo entravam em grave ebulição, alertando a opinião e os poderes públicos. As fraturas geográficas invertiam-se, pois os antigos territórios industrializados do Norte e do Leste é que enfrentavam agora sérios problemas; e as fraturas já não eram apenas geográficas, pois pareciam afetar quase todos os subúrbios e as grandes concentrações urbanas.
Uma segunda alternância política, em 1986, aumentou ainda mais esta desorientação, comprometendo de um só golpe os esforços de mais de trinta anos, pois os assessores do primeiro-ministro, Jacques Chirac, consideravam seriamente a possibilidade de extinguir a Datar. De imediato, reduziram-se drasticamente os créditos destinados à organização do território. Foram necessárias a resistência do ministro, Pierre Méhaignerie, e as conclusões arrazoadas de uma comissão de estudos presidida por Olivier Guichard para salvar a Datar, orientando prioritariamente a ação de organização do território nos anos seguintes para os programas de rodovias e do trem de alta velocidade (TGV).
Por uma definição do desenvolvimento durável
As eleições de 1988 mantiveram o presidente Mitterrand no Eliseu e restabeleceram no Parlamento a maioria de esquerda. Liderada pelos ministros Roger Fauroux e Jacques Chérèque, ela se empenharia em definir uma política de desenvolvimento adaptada às novas circunstâncias criadas pela abertura da Europa do Leste e o lançamento pelo presidente da Comissão Européia em Bruxelas, Jacques Delors, de ambiciosos programas de desenvolvimento intra-europeu e cooperação transfronteiriça. O recenseamento de 1990 acabava de revelar que os desequilíbrios regionais, longe de se atenuarem, agravavam-se ainda mais, embora em certos casos fossem de outra natureza. A Ilha de França e as regiões Ródano-Alpes, Provença-Alpes-Côte d’Azur e suas metrópoles continuavam a crescer, ao passo que nas oito regiões menores do país persistia o declínio demográfico. Aos poucos ia-se delineando através do país uma França "do vazio", das Ardenas, dos planaltos burgúndios, do Maciço Central e das Landes até o Piemonte nos Pireneus. O mesmo censo nos informava que a Ilha de França, com 18% da população metropolitana, concentrava também 40% dos estudantes de terceiro ciclo, 42% dos engenheiros e quadros do setor privado e 55 a 60% dos cientistas e pesquisadores.
Semelhante quadro impunha o recurso a novos métodos. Depois de longo debate no Parlamento em maio de 1990, a estratégia escolhida visava quatro objetivos fundamentais: fortalecer os territórios rurais, já então mais organizados e solidários, se possível em torno dos burgos e cidades pequenas; favorecer a influência de algumas grandes aglomerações metropolitanas; desenvolver a organização em rede das cidades medianas e sobretudo inserir melhor o espaço francês numa Europa ampliada, tratando de repensar seu sistema de comunicações, que por demasiado tempo mantivera-se rádio-concêntrico e voltado exclusivamente para o espaço nacional.
Esta política de estímulos regionais devia comportar ainda um último elemento: pesquisa e ensino superior. Pois não passara a localização das empresas a depender em grande medida das condições de admissão, formação e promoção da mão-de-obra, dos quadros e dos jovens? Criado entre 1990 e 1991 para atender ao afluxo de estudantes - cujo número aumentara mais de 50% em dez anos, devendo continuar a crescer até o fim do milênio -, o plano "Universidade 2000" mobilizou em partes iguais recursos financeiros do Estado e das coletividades regionais e locais. Ele permitiu a construção de um milhão e meio de metros quadrados de novas instalações, possibilitando às academias do Norte e do Oeste superar seu atraso em matéria de equipamentos. Três novas universidades foram criadas no Artois, no litoral de Pas-de-Calais e em La Rochelle. Dezenas de departamentos de instituições universitárias de tecnologia (IUT) e de seções de técnicos superiores foram abertas nas pequenas e médias cidades.
O peso relativo da Ilha de França no número de alunos de terceiro ciclo e de pesquisadores foi reduzido, e a criação das universidades de Cergy-Pontoise, Marne-la-Vallée, Évry e Versalhes-Saint-Quentin-en-Yvelines descongestionou em parte os estabelecimentos do centro da capital. Assim como a descentralização cultural e as reformas urbanas, sucessivamente escoradas na política das metrópoloes de equilíbrio e nos contratos de cidades medianas, este programa certamente contribuiu para transformar a vida no interior.
Depois de 1990 não foi interrompido o empenho de reflexão, que prosseguiu, para começar, num debate lançado em todo o país, de 1993 a 1995, por Charles Pasqua, ministro do Interior, debate alimentado também pelo relatório de uma comissão de informação do Senado e levado adiante com a publicação dos livros de Jean-Louis Guigou, directeur da Datar, nomeado em 1997 delegado para a Organização do Território. A lei de 25 de junho de 1999 - conhecida como Lei de Orientação para a Organização e o Desenvolvimento Durável do Território (LOADDT) e alterando a lei de fevereiro de 1995 - contempla nove estruturas nacionais de serviços coletivos, nos seguintes terrenos: ensino superior e pesquisa, cultura, informação e comunicações, saúde, energia, transportes de viajantes e transportes de mercadorias, esportes, espaços naturais e rurais.
Mas o aspecto essencial e mais prospectivo da nova legislação é certamente o que diz respeito aos projetos de "regiões" e "aglomerações". O conceito de projeto de região [pays] e de sua concretização tem cerca de vinte anos. Tudo indica que se pode esperar, desta vez, a sua generalização. A constituição das regiões e a integração de seus projetos nas dotações de planejamento ficam sob a responsabilidade conjunta de uma conferência regional para a organização e o desenvolvimento do território e do prefeito da região. Reforçar a solidariedade entre as pequenas cidades e o mundo rural constitui um dos objetivos essenciais desses projetos. O surgimento neste esquema da aglomeração já é muito mais recente. A definição aplica-se às áreas rubanas de mais de 50.000 habitantes, cuja comunidade central tenha pelo menos 15.000 residentes.
Ela pressupõe a elaboração de um projeto especificando as orientações da aglomeração em matéria de desenvolvimento, coesão social, urbanismo, transportes, habitação e meio ambiente. A lei de 12 de julho de 1999 sobre a intercomunalidade especificou o estatuto jurídico dessas comunidades em matéria de tributação patrimonial e econômica.
O desenvolvimento territorial no limiar do terceiro milênio
A Europa e o mundo: não é mais possível conceber a organização territorial sem olhar para a Europa e sem o olhar da Europa. Ela pressupõe, por um lado, o surgimento de espaços transfronteiriços, e por outro a harmonização de nossa política nacional com as iniciativas européias em matéria de política agrícola e apoio às regiões em crise.
Os problemas da cidade: o crescimento das cidades francesas nas últimas décadas é um fenômeno considerável, sem precedente histórico. Não há uma única cidade francesa de mais de 10.000 habitantes que não tenha sua ou suas grandes concentrações urbanas, com seus problemas de desemprego e marginalização social. Mas nossas cidades enfrentam ainda um outro problema: como as regiões rurais que as circundam, estão cada vez mais na esfera de influência de uma dezena de metrópoles regionais, com as quais é necessário organizar sua colaboração e sua participação, sob a forma de redes solidárias e complementares.
Por uma nova armadura do território: Cabe à República ao mesmo tempo respeitar os "territórios de proximidade ", territórios vivos, e organizar a vida regional em torno de algumas grandes metrópoles de ambição européia ou internacional. É o objetivo que se procura alcançar, por um lado, com os contratos de regiões, e por outro com certos contratos de aglomerações. Ambos serão progressivamente integrados aos contratos de planejamento. Naturalmente, a questão essencial que se coloca hoje é saber se será possível prosseguir nesta direção sem repensar a organização territorial do país e sem rever a redistribuição das atribuições e recursos entre o Estado e as coletividades regionais, departamentais ou locais.
Abraços
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